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"Não me aproximo porque, veja bem, sabe lá quem habita a tua solidão.
Hesito. Recuo. Me afasto tristíssima. E te imagino em poses e sorrisos,
voz grave e cabelos desgrenhados, preso nas minhas fantasias mais
loucas e movimentadas. Numa delas sou um bichinho invisível, com asas,
que adentra tua casa e te observa em segredo. Faço o contorno do teu
corpo todo com os olhos, parada contra a parede do teu quarto, imóvel,
enquanto tu te atiras na cama. Cansado. Tu olhas para o teto imaginando
mil coisas, memórias, compromissos, desejos, saudades. Te fito com
dor. Por razões que desconheço, nossas aproximações foram sempre
pela metade. Interrompidas. Um passo para a frente e cem para trás.
Retrocessos. Descaminhos. Procuro sinais de algum amor teu. Vestígios de
noites passadas. Tu não me vês, estou incógnita a te observar. Como
sempre estive, olhando pelas janelas, de longe, coração apertado. Nós
poderíamos ser amigos e trocar confidências. Assistiríamos a filmes,
taça de vinho nas mãos, e tu me detalharias as tuas paixões e desatinos
e eu te olharia
atenta, numa tentativa indisfarçável de gravar o momento e guardá-lo
comigo até o fim dos meus dias. Ou poderíamos ser apenas o que somos,
duas pessoas com uma ligação estranha, sutilezas e asperezas
subentendidas, possibilidades de surpresas boas. Ou não. Difícil saber.
Bato minhas asas em retirada. Tu dormes, e nos teus sonhos mais
secretos, não posso entrar. Embora queira. À distância, permaneço te
contemplando. E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso
encontro pode acontecer inteiro. Porque tu és o único que habita a minha
solidão. ^^